Capítulo 03  

LUIZ FERNANDO

Havia uma garota sentada em um colchão, com um livro nas mãos. Envolta do colchão tinha muitas luminárias feitas de latas de leite em pó. Havia também plantas, banquetas e pufes. O lugar era coberto por telhas de metal e as paredes em vidro... parecia uma estufa. Caminhei em sua direção e me sentei ao seu lado, Mariana deu um pulo com o susto e me encarou com olhos arregalados. Ali perto dela dava para sentir seu perfume floral e suave. 

― Quer me matar de susto? 

― Desculpe, não foi minha intenção. Porque não apareceu para o jantar? 

Ela fechou o livro e me encarou firmemente como se tivesse dito algo terrível, mas a única coisa que conseguia pensar no momento era de como Mariana era linda. Devia estar louco porque ela era o tipo de garota que quer romance, mãos dadas e namoro no sofá, o que não tinha nada a ver comigo, e mesmo sabendo que aquilo poderia dar muito errado, lá estava eu, ao lado dela porque algo me atraia, e quando eu não deveria estar pensando em Mariana, ela entrava em minha mente sorrateiramente. 

― Que horas são? ― Perguntou me trazendo de volta a realidade 

― Já são quase dez. 

― Oh, minha tia vai me matar, perdia hora, subi apenas para um banho, mas vim ler e ver o pôr do sol acabei perdendo a noção das horas.  

A forma como ela falava... os olhos pequenos e simetricamente perfeitos, o mover de seus lábios... aquilo tudo me deixava insanamente desesperado para conhecê-la muito mais, saber o que ela mais gostava. Era louco, mas algo dentro de meu peito implorava para que eu não desistisse.  

Mariana tentou se levantar, mas a segurei pela mão. Nossos olhares se encontram causando algo desconhecido em mim. 

― Fique aqui comigo, sua tia está limpando a cozinha, vamos conversar um pouco. 

― Tudo bem. 

Ela se ajeitou ficando de frente para mim. Tirei meus tênis e fiz o mesmo cruzando as pernas. 

― O que está lendo? 

― Quarto de despejo, Diário de uma favelada de Carolina Maria de Jesus.

― Hum, gostei do título, é sobre o que exatamente? 

―O duro cotidiano da favela é contado no diário de uma catadora de lixo. Com linguagem simples, uma mulher negra, pobre e semianalfabeta conta o que viveu, sem artifícios ou fantasias. Registra fatos políticos e sociais importantes do Brasil – iniciando em 1955 e terminando em janeiro de 1960. Basicamente é isso comecei agora. 

Estava impressionado, linda e também muito culta, coisa que tínhamos em comum, também lia bastante entre uma viagem de um país e outro, a diferença é que eu só lia livros estrangeiros e em inglês, preferia assim. 

― Estou surpreso, você tem cara de quem gosta de ler romance água com açúcar, do que mais você gosta? 

― Acho que está fazendo muitas perguntas, o que você gosta de fazer quando não está na cozinha? ― Falou sorrindo. 

― Bom, pra começar não sou cozinheiro sou Chefe de cozinha, em segundo não acho que estou fazendo muitas perguntas, em terceiro eu perguntei primeiro. 

― Em quarto lugar você não é um bom ator, ande diga logo, o que faz nas horas vagas? 

― Tudo bem... Gosto de músicas, gosto de artes de rua, gosto de comer, dormir. Eu costumo ir a feiras hip, esse tipo de coisa faz parte de quem sou, mesmo meu pai querendo que eu assuma o seu lugar nos negócios de família. 

Mariana soltou o ar como se estivesse o prendendo por muito tempo, o desejo de beijar seus lábios só se fazia mais presente enquanto conversávamos. 

― Bem interessante.  Acho melhor eu ir, estou com fome. 

Ela se levantou e me levantei no mesmo instante, ficamos de frente um para o outro. 

Como aquela menina era linda. 

― Me diga que também está sentindo isso. ― pedi me aproximando mais, deixando pouco espaço entre nossos corpos. 

― Isso? Eu, eu não... 

A puxei pela cintura fazendo com que parasse de falar, nossos corpos ficaram colados de forma que nem ar passasse entre nós. Apertei os dedos em sua cintura, ela estava trêmula talvez fosse medo, então levei uma mão até seu rosto delicado, a vi engolir seco, ela queria tanto quanto eu, estava evidente em seu olhar.

 Passei o polegar em seus lábios sem quebrar nosso contato visual. Seus olhos me passavam a certeza de que estava tão afim quanto eu, e finalmente quando fechou seus olhos, beijei seus lábios com delicadeza, senti algo muito fora do comum, talvez ela fosse especial e esse era meu maior medo. O beijo foi calmo e doce, seu gosto era incrivelmente maravilhoso. Não podia soltá-la, nem agora e nem nunca. 

Ela se afastou abruptamente e então fez algo que foi muito inusitado, ela realmente me deu um belo e dolorido tabefe na cara. 

―Ai! ― falei levando a mão na bochecha quente

Mariana cravou seus olhos castanhos e apaixonantes nos meus, via seu peito subir e descer de uma forma diferente e um lindo rubor tomar sua face. Mas em vez de me afastar a agarrei novamente e reivindiquei mais uma vez seus lábios, ela retribui o beijo, passou os braços em volto do meu pescoço. Nossas línguas dançaram uma com a outra.  e quando o beijo se acalmou nos afastamos, eu queria mais, só que deveria ser no tempo dela e não no meu.

Levei uma mão até seu rosto para tirar uma mecha de cabelo teimosa da frente de seus olhos.

― Você beija muito bem princesa. E bate melhor ainda ― Sorri  

― Desculpe pelo tapa. Foi automático. 

― Seu sotaque é lindo. 

― O seu também. 

― Você é linda demais, e perfeita. 

― Pare de me elogiar. 

― Não dá, além de tudo ainda é cheirosa. Meu Deus, estou muito ferrado. 

Mariana se soltou dos meus abraços e se sentou novamente, segui seus passos sentando também, bem coladinho dela a deixando tensa. 

― O que foi? 

― Nada, mas é que você é estranho, não posso sair beijando qualquer um assim Luiz. 

― Calma. Não sou um completo estranho, vamos curtir isso, seja lá o que for só.

Ela ponderou, não sabia exatamente o que estava pedindo. Não sabia se era o que ela queria e se havia outro em sua vida, mas a queria e muito. 

MARIANA

Não era por falta de vontade de beijar um homem lindo como Luiz Fernando, queria isso muito, mas nunca havia beijado ninguém. Não tive tempo para isso. Lá na fazenda pouco tinha contato com garotos, e na pensão mal tinha tempo para pensar nessas coisas. Foi ali, com meus vinte anos que dei meu primeiro beijo, e só porque foi um beijo roubado. 

Ok, eu sei que isso é realmente vergonhoso, só que nem todas as garotas sonham com o primeiro beijo, ou com namorado. Meus sonhos estavam longe disso, mas naquele momento algo mudou, meus interesses mudaram, como se estivem apenas adormecidos dentro de mim, e simplesmente surgiram como uma enxurrada me arrastando para um mundo completamente diferente. 

Luiz queria curtir o momento, mas havia medo em mim, não sabia exatamente do que, por isso apenas sorri, me permitindo pela primeira vez viver algo sem muita expectativa  

― Tudo bem! Mas preciso que saiba que nunca beijei ninguém antes! 

Seus olhos permaneceram fixos nos meus, meu coração parecia uma bateria de escola de samba, a vergonha queimava meu rosto, não devia ter contado. Tapei meu rosto com as mãos, não queria ver sua reação, nem ver olhares de julgamento. 

― Ei, não precisa ficar assim. Não sinta vergonha por isso. ― Disse tirando minhas mãos delicadamente do rosto. ― Sei que não é comum uma moça da sua idade ainda não ter conhecido ninguém que tivesse gostado, mas quero que saiba que, por algum motivo senti uma felicidade imensa em saber que fui o primeiro a beijar essa boquinha linda. 

Seu sorriso se alargava cada vez mais, e eu? Me sentia estranhamente mole como gelatina, não entendia e nem sabia explicar, mas sentia um remexer estranho em meu estômago. Luiz se aproximando mais um pouco segurou meu rosto com as mãos, não sabia como agir, então apenas permaneci imóvel. 

― Mariana, vou te beijar agora tudo bem, não se assuste e nem tenha medo ou vergonha. Tudo bem? 

Balancei cabeça e então senti seus lábios nos meus. Nenhum de nós estávamos de olhos fechados, nos encarávamos fixamente. Bem lentamente ele começou a brincar com a língua e eu fazia o mesmo, sua boca tinha um gosto bom. O beijo era lento, parecia uma tortura e nem sabia o porquê. Apenas entendi que precisava mais daquilo. Me afastei de seus lábios para retomar o fôlego e ele sorriu me deixando ainda mais boba, de alguma maneira queria segurá-lo pelas mãos e não soltar nunca mais, o queria ali, por perto sempre. 

― Como foi para você? ― perguntou em um sussurro 

― Muito bom, mas desculpa se fiz algo de errado, eu não… 

Não me deixou terminar e me abraçou, era de forma silenciosa me fazendo entender que foi bom para ele, tanto quanto foi para mim. Luiz Fernando se afastou depois de alguns minutos e retirando uma mecha de cabelo do meu rosto deu um delicado beijo em minha testa.. 

― A sua inocência é o que mais me atrai, se quer saber mesmo, beija muito bem e nem parece que foi a primeira vez. 

― Sério? 

― Sim, acho que estou ferrado. Achei que iria seduzir uma mocinha linda, mas acho que esse jogo virou sem eu perceber! 

Sorri me aconchegando mais em seu ombro, passou os braços em volta das minhas costas e assim permanecemos, olhando as estrelas. Não queria sentir o que estava sentindo, era assustador. Assim como nos livros sabia que era paixão e sentia muito medo de me magoar, porque ele não era o tipo de homem que parecia ser namorado de uma única garota. Mas no momento tudo que queria era morar em seu abraço, porque era sem sombra de dúvidas a melhor coisa que já senti nos quatro anos sem meus pais. 

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